segunda-feira, 22 de março de 2010

... Ainda a obra de Joana Vasconcelos e a sua relação com a arte contemporânea:

(Fonte: Ípsilon)

Este é mais um contributo para reflectir sobre a obra de Joana Vasconcelos
É da autoria de José Marmeleira e foi editado no Ípsilon, suplemento cultural do Público, em 19 de Março de 2010.
Entretanto, por cá, a polémica sobre o sr. vinho continua. Podem ver AQUI mais um contributo para a mesma

“ARTE DOS 7 AOS 77 ANOS

Por José Marmeleira

A exposição antológica de Joana Vasconcelos permite um confronto com a produção seminal da artista, mas, sobretudo, expõe uma série de perguntas. Sobre a (sua) arte contemporânea

"É lindíssimo", diz uma senhora de meia-idade "Uma maravilha", acrescenta outra. Focam as objectivas, disparam, as luzinhas brilham. Um minuto depois é a vez de um grupo de adolescentes em visita de estudo. Embora menos entusiasmados, repetem o ritual antes de cederem o lugar à turma seguinte. Ali perto, há quem ande num carrossel ou experimente secadores. Miguel Amado, o curador de "Sem Rende", tem - aparentemente - razão. A exposição antológica de Joana Vasconcelos (Paris, 1971) no Museu Colecção Berardo é para vários públicos. Adultos, jovens, idosos, crianças, mulheres, homens; e, a julgar pelos comportamentos, com mais ou menos hábitos de ver exposições de arte contemporânea.

Não é surpreendente. A obra e a "persona" da artista há muito que extravasa o seu "milieu" de origem. Apontem-se algumas razões: a existência de uma estratégia dirigida aos processos de legitimação da cultura de massas; a entrada repetida - por vezes, de forma pouco discreta - no espaço público mediatizado; e uma obra que torna familiar, "fácil", rapidamente consumível, o "ready-made", a integração de objectos do quotidiano na arte e o apagar de um virtuosismo específico (a favor de uma dita imaginação). Enfim, Joana Vasconcelos oferece certas "revoluções" da arte moderna e contemporânea para serem consumidas e com um certo sabor local: "português".

Assegurará isso a qualidade do seu trabalho? Bom, antes de tudo convém lembrar que existe uma obra anterior à - passe o exagero - ascensão pop da artista. Mais silenciosa, de escala humana, com outra economia formal e "Sem Rede" materializa alguns momentos desse tempo. "Sofá Aspirina" (1997) e "Cama Valium" (1998), por exemplo, são esculturas feitas de materiais perecíveis (os comprimidos) que sugerem uma ambiguidade significante e material que não se reduz à metáfora; o mesmo acontece na "surrealista" Flores do Meu Desejo (1996), com os seus espanadores virados para dentro e disponíveis (ou não) à entrada de um corpo; ou em "Spot Me", uma guarita do Estado Novo transformada num lugar onde o sujeito persegue o seu reflexo (que é o seu corpo). Tendo em conta que mais do que a obra, é a pessoa que tem vindo a estimular debate (privado ou público, com ou sem polémica), existe o mérito de permitir um confronto com esta produção pouco conhecida ou revista (onde se identificam elementos e referências - quase sempre explicitas - do pós-minimalismo, do Nouveau Réalisme e do surrealismo).

Mas é um confronto tímido - como explicar o exílio escondido de "Menu do Dia" (1998), com as suas portas de frigorífico e casacos de pele, sob as escadas que dão acesso ao Piso 0? A fealdade e brutalidade da peça? Ora, um dos problemas da exposição" é exactamente o oposto: privilegia a bulimia da cor, a ocupação decorativa do espaço - visível e tacteável no serpentear excessivo de "Contaminação" que chega a "incomodar" a obra de outro artista - na interactividade imediata com o espectador (qual é a comunidade que carrossel de "Ponto de Encontro" evoca ou interpela?), no kitsch como pretenso caminho para a obra de obra (a série dos "Corações Independentes", brilhantes, ao som de Amália), ou na escultura à beira de ilustração (o sapato com o nome "Cinderella"). Dirão que é assim a obra de Joana Vasconcelos e que muito dificilmente o espaço resistiria a semelhante invasão. É um comentário justo, embora previsível.

Porém, e para lá de todos os equívocos ou enganos, a obra desta exposição tem uma qualidade. Que se pode resumir a um novelo de perguntas. A que comunidade se dirige ela? É arte contemporânea? Que arte contemporânea? O que é arte contemporânea?”.

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