terça-feira, 16 de março de 2010

SEM REDE de Joana Vasconcelos


Visitámos este fim-de-semana a exposição antológica da artista Joana Vasconcelos, uma das artistas mais criativas da nova geração.
Intitulada "Sem Rede", vai estar patente ao público, com entrada gratuíta

Segundo informação da LUSA, a artista nasceu “em Paris, em 1971, desenvolve a sua actividade artística no campo da escultura e da instalação, com peças de grandes dimensões que se distinguem pelo modo como joga com a banalidade dos objectos utilizados no quotidiano.
“Pegando nestes objectos vulgares, Joana Vasconcelos constrói outros, jogando com a sua funcionalidade, oferecendo-lhes nova pertinência, seja do ponto de vista crítico, funcional ou estético.
“Formada no Ar.Co - Centro de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa, entre 1989 e 1996, expõe regularmente desde 1994 e tem actualmente em Paris, na Galerie Nathalie Obadia, uma exposição dos trabalhos mais recentes intitulada "Où le noir est couleur".
“Joana Vasconcelos tornou-se mais conhecida do público português depois da participação, em 2005, na Bienal Internacional de Arte de Veneza, onde apresentou "A Noiva", um lustre feito com vinte mil tampões higiénicos femininos escolhido como peça principal daquela exposição.
“Outra obra emblemática da artista é o "Coração Independente Vermelho" (tem também uma versão em negro) no qual junta dois símbolos da tradição portuguesa - o Fado e o coração de Viana em filigrana - para criar uma peça com talheres de plástico vermelhos entrelaçados, contrapondo a cultura popular e a de elite.
“Em Portugal, além do Museu Berardo e da Fundação de Serralves, a artista também está representada nas colecções de arte particulares de António Cachola, Pedro Cabrita Reis e José Miguel Júdice.
AG.Lusa”.

A última edição do Jornal de Letras é em grande parte dedicada à artista e à sua obra.
Foi da edição on-line desse jornal que retirámos o seguinte texto, não assinado:

“A arte a seus pés

“Em 15 anos, Joana Vasconcelos fez da sua arte uma verdadeira imagem de marca. Quem não reconhece os seus gigantescos sapatos feitos de tachos, os corações pulsantes de talheres de plástico, os cães de louça ou as faianças de Bordalo revestidas de crochet? A sua obra pode agora ser revista numa exposição antológica, Sem rede, no Museu Berardo, que reúne 36 peças de 1996 a 2009

“Uma ligeira hesitação e depois num ímpeto, ei-la a mirar-se ao espelho, debaixo dos secadores. Esvoaçam-lhe os cabelos e despenteada grita um "uau" convicto e dá a vez a outro, enquanto alguém, do outro lado da sala, segue a agitada vida das gravatas de seda, insufladas por uma invisível ventania, uma colecção colorida do próprio cliente que encomendou um quadro a Joana Vasconcelos. E a artista não é de dar ponto sem nó, mesmo que nas gravatas do encomendador. Sem rede, a sua exposição antológica no Museu Berardo, convida aos sentidos, vive do tacto e do contacto com os espectadores.

“Não é de admirar que logo no primeiro dia aberto ao público, um visitante mais interactivo não tenha resistido a experimentar o Sofá Aspirina, feito com centenas de blisters de comprimidos. Uma dor de cabeça, porque o estrago infringido pelo incauto traseiro implicou refazer a icónica peça do princípio do percurso da artista e que só agora foi vista de novo com outra obra não menos emblemática, Cama Valium. Feita com os famosos calmantes, com a particularidade de serem embalagens de diferentes dosagens, já que as mais fortes foram retiradas do mercado, enquanto Joana Vasconcelos procedia à sua criação. Por risco de overdose. E foi porventura para criticar o excesso do mal e da cura, a intoxicação medicamentosa e existencial em que se vive que a artista criou tal leito letal, onde se espera que a ninguém passe pela cabeça bater uma soneca.

“De resto, Sem rede não é apenas para ver. Pode-se tocar na arte exposta, sentir as texturas dos tecidos e crochets, puxar os estores de Vista Interior e por espantoso que possa parecer, até mesmo comer: o beberete da inauguração foi exactamente servido numa das obras, Plastic Party. É uma exposição feita para se entrar nela, na velha guarita do Estado Novo de spot me, como no Ponto de Encontro, carrossel com cadeiras de escritório de design , para mais uma viagem. Só na macia e cor-de-rosa interioridade de Flores do meu desejo, feita com um respeitável lote de espanadores, que alude a um útero, não houve um homem que se afoitasse a entrar, quando a obra foi apresentada pela primeira vez, na Estufa Fria, em meados dos anos 90. É o que recorda a artista. E depois da travessia do seu labiríntico Jardim do Éden, de inebriar qualquer visitante com as suas naturalmente soberbas e esfusiantes flores de plástico, uma peça apresentada já em Londres e Paris, lá estava ela, ajeitando a derradeira obra, Una dirección, que o público já tinha embrulhado na retirada. São "baias" com tranças de cabelo artificial que organizam o público em filas e indicam a direcção da saída. E por certo ninguém sairá de Sem rede como entrou porque a arte de Joana Vasconcelos não deixa ninguém indiferente.

“Casamento de tradição e identidade

“Ao Sr. Vinho foi necessário trazê-lo pela calada da noite, num grande camião, de uma oficina no Porto Alto, onde foi feito, até Belém, onde se ergue no Jardim das Oliveiras do Centro Cultural de Belém, depois de um aparatoso transporte por uma grua, instalada fora do próprio CCB. É um gigantesco garrafão de cinco metros de altura, feito do ferro usado nas típicas varandas da Baixa Pombalina de Lisboa, uma peça que Joana Vasconcelos fez especialmente para Sem rede. Pode ser o ponto de partida para uma visita, num circuito do exterior para o interior, que há-de passar por mais 35 peças. Um percurso alheio a qualquer intuito cronológico, mas que aposta no diálogo entre obras do princípio da sua carreira e actuais. A mais antiga, Flores do meu desejo, que faz parte da colecção de Pedro Cabrita Reis, é de 1996, a mais recente é precisamente Sr. Vinho, que depois da exposição irá ocupar o seu devido lugar em Torres Vedras, entregue ao espaço público e às videiras que por ele vão trepar, entrelaçando-se e cobrindo a estrutura de ferro forjado.

“O imponente Sr. Vinho faz, de resto, dupla com a denominada D.ª Jasmim, um igualmente imponente bule - essa é a peça em que está a trabalhar actualmente, tal como no seu já famoso ecológico "carro de pilhas", que irá circular pelas escolas - que a artista irá produzir para França. E esse respeitável par é bem representativo, segundo Miguel Amado, crítico, ensaísta e comissário de Sem rede, do trabalho de Joana Vasconcelos. Pela "utilização de uma forma do quotidiano, a que as pessoas atribuem um significado", mas também pelo carácter "simbólico que contém", no caso duas bebidas, o vinho e o chá, "a primeira mais ligada ao espaço público, a segunda ao privado, uma mais associada ao universo masculino, outra ao feminino". "É o casamento de tradições, de história e de identidade que quase sempre informa o trabalho da Joana", afirma. "Do ponto de vista plástico, trata-se também de uma técnica que ela usa muito: pegar numa forma reconhecível do quotidiano, ampliá-la a uma escala sobre-humana e executá-la também com um material do quotidiano, neste caso o ferro forjado, que as pessoas identificam, mas que já não tem o seu sentido original".

“Amado faz notar, por outro lado, um "jogo": "Habitualmente, a escultura joga com o volume e com o peso e neste caso, apesar do ferro ser pesado, a forma como está feita a peça dá-lhe uma transparência que destrói a ideia que o material transporta".

“Na senda de Duchamp

“Ainda no exterior, lá está Néctar, uma peça da colecção Berardo, aliás vencedora do concurso para a obra de entrada do museu. É uma referência a Le Porte-Bouteilles, a peça de Marcel Duchamp, integrada na mesma colecção. Não há que estranhar já que como sublinha Amado, Joana Vasconcelos "inscreve-se na tradição duchampiana do ready-made, no sentido da apropriação de objectos do quotidiano e da sua resignificação". Isto, em seu entender, "via a leitura feita desse legado, nos anos 60, pelos nouveaux réalistes".

“E antes mesmo de descermos ao piso da exposição, saúda-nos Donzela, uma peça - feita para Santa Maria da Feira e da série de uma outra que esteve na ponte D. Luís, no Porto - que "replica os panos que se deitam à janela, nas festas populares e religiosas".

“Igualmente suspensa, no átrio, Victoria, da série Valquírias, inspirada na mitologia nórdica e executada com vários tecidos e técnicas como o tricot ou patchwork, intensamente colorida. "É uma referência à Rainha Victoria, mas também ao imperialismo britânico e às suas consequências. Portanto, é uma peça muito sensorial, mas ao mesmo tempo com uma grande violência simbólica, sempre muito presente nas suas obras", diz o comissário já com um olho em Wash & go, uma peça antiga, que funciona como "pórtico" da exposição. Tem outra "qualidade" dessas obras, o movimento, que convoca o espectador. Utiliza os tambores de máquinas de lavar roupa e simula um sistema de lavagem automática de carros só que aplicado a collans femininos de várias cores. E o título não deixa margem para dúvidas: aposta-se no duplo sentido. Os "jogos de linguagem são também uma constante no trabalho de Joana Vasconcelos. Tal como "uma espécie de reciclagem do desperdício da sociedade igualmente recorrente". Os referidos collants tinham sido "descartados ou descontinuados" por não terem tido sucesso comercial: "Há a ideia de usar materiais do quotidiano, não na sua essência de produtos mas enquanto desperdício". Wash & go é a primeira atracção de Sem rede. Miguel Amado faz notar que a obra de Joana Vasconcelos propicia uma experiência estética mais corpória do que intelectual, numa primeira instância", o que explica o seu impacto popular: "O movimento, a cor, os materiais do quotidiano, que as pessoas identificam: de alguma maneira, tudo o que não se espera que seja arte e que Joana Vasconcelos transforma de uma maneira sedutora e irónica. Daí o seu apelo e a sua eficácia visual e simbólica".

“Talvez A Noiva seja a sua peça mais conhecida. O bizarro lustre feito de tampões higiénicos foi criado em 2001, esteve à entrada do Lux, abriu a exposição da Bienal de Veneza, em 2005, e foi adquirida por António Cachola. Não é de estranhar que ocupe um "lugar central", tal como um lustre que esteja num palácio, ou numa casa modesta. "Há uma leitura imediata do tampão como metáfora de uma sexualidade feminina, do degredo a que está associada não só em termos físicos, mas também históricos, sobretudo com a carga religiosa que existe num país como o nosso. O próprio título remete por outro lado para uma peça de Marcel Duchamp", adianta Amado. "Há uma série de leituras possíveis, mas a mais comum é a do condicionamento social do feminino. Essa ideia da condição da mulher é transversal a toda a obra, mas não é tanto um trabalho sobre o universo feminino do ponto de vista da reivindicação, mas antes uma reflexão sobre a sua própria condição de mulher e artista, num país como Portugal".

“Metáforas políticas

“Descidas as escadas, somos contaminados por Contaminação, passe a redundância. É uma peça que alastra colorida, a "encher o olho" pelo chão, pelas paredes, que se enreda nos pés, e ocupa todo o campo de visão. "Ao longo de toda a exposição, tentámos alternar peças de grande escala, com grande eficácia visual, com outros momentos mais íntimos", salienta o comissário. A monumental Contaminação, que foi primeiro apresentada na Pinacoteca de São Paulo e depois no Centro Gulbenkian, em Paris, e que acaba de ser adquirida para uma colecção estrangeira, sendo uma obra "mutante em função da arquitectura". É apresentada em Sem rede na sua máxima expressão, o mesmo é dizer contaminando mais espaço, com a sua natureza informe e têxtil - a artista traz tecidos de toda a parte onde vai e usa-os nesta obra -, assume-se como uma "metáfora da globalização e do mal da sociedade", como diz o comissário.

“A fase inicial do percurso, O mundo a seus pés, que foi pouco vista até hoje, avança uma clara preocupação política e ecológica que também atravessa toda a obra de Joana Vasconcelos. Merece uma das preferências do comissário, pela exemplaridade do jogo de linguagem que propõe recorrendo ao nome do filme de Orson Wells e pondo literalmente o mundo aos pés do visitante. São globos terrestres interligados, curiosamente ainda com a União Soviética no mapa. Aliás, já não tinham a representação correcta do mundo, quando foram comprados para esta peça, no final dos anos 90. Nem lhos queriam vender na papelaria Fernandes, onde se apresentou para o negócio. "Os globos novos ainda não vieram", esclareceu o empregado. "Estes são os velhos e já não os podemos vender para as escolas". Ao que a artista afiançou que não vinha de qualquer escola e que pretendia mesmo comprar aqueles, desactualizados e tudo. E um granel. "É uma das suas peças mais políticas e de uma altura em que ainda não tinha começado a fazer as suas obras com têxteis, que a tornariam mais conhecida do público em geral", adianta Miguel Amado, citando a propósito o livro de um historiador inglês que define os quatro estádios do reconhecimento para um artista moderno alcançar a fama. São eles o reconhecimento interpares, pela crítica, pelas galerias e coleccionadores e, finalmente, pelo público.

“Não é certo que Joana Vasconcelos tenha lido tal livro, mas já chegou seguramente ao chamado grande público. "Talvez não tenha evoluído de uma forma tão gradual, como é habitual, tocando todos esses estádios de uma forma quase simultânea, mas o seu trabalho tem já uma presença forte no espaço mediático, além do espaço crítico", assevera. "Talvez não estejamos habituados a isso e haverá mesmo uma certa resistência ao facto da arte passar as fronteiras do seu espaço convencional, o dos museus. E, por outro lado, há uma certa rejeição do sucesso e não apenas comercial. Aliás, a Joana é tão bem sucedida a nível comercial como outros artistas, pelo menos das gerações mais velhas".

“Uma crítica do consumo

“O sucesso decorreu de projectos como o roadmovie que Joana Vasconcelos fez num triciclo motorizado, de Lisboa a Fátima, na véspera de um 13 de Maio. O vídeo que acompanha os peregrinos pela estrada nacional tem uma banda sonora de Vítor Rua que parodia músicas conhecidas. "A obra www.fátimashop é uma paródia do folclore nacional e que remete um pouco , com as suas nossa senhoras fosforescentes, para a presença da imagem da Virgem em muitas casas portuguesas", diz o comissário. Mas outras obras, como os famosos "Corações", ou os "Sapatos", para não falar dos recentes "Cães de louça" envoltos em crochet, que não foram incluídos na exposição, também deram o seu contributo para que o trabalho da artista fosse reconhecido e reconhecível. "O desafio foi fazer uma exposição que não se circunscrevesse à imagem de marca que Joana Vasconcelos já tem, mas mostrar as diferentes facetas do seu trabalho", diz ainda Miguel Amado. "Por isso, tomámos a opção radical de não incluir nenhum objecto revestido a crochet, inclusivamente as faianças de Rafael Bordalo Pinheiro, que recentemente a tornaram ainda mais conhecidas".

“Em Sem rede, poder-se-á apreciar peças menos vistas como Strangers in the Night, com música de Frank Sinatra, ou a violenta Passerelle, em que o espectador puxa uma alavanca para abater uns cães de louça, uma destruição que será registada em vídeo por Cláudia Varejão. Isto além de um conjunto de pinturas do início desta década, com títulos que remetem para temáticas sexuais, e uma nova pintura, Hiperconsumo, feita especialmente para a exposição, correspondendo ao desafio de Miguel Amado, representativa de outra série, anterior, intitulada Consumo. E a crítica do consumismo é fulcral em toda a produção artística de Joana Vasconcelos: "Há um excesso de consumo, de signos, vivemos num mundo de imagens e ela trabalha precisamente sobre elas dando uma nova identidade às imagens, aos signos que já existem, criando com isso novos significados"..

“Quase todas as obras foram restauradas, as mais antigas refeitas, depois fotografadas e feito um catálogo, pelo que a exposição permitiu também, conforme assinala o curador, criar uma "infra-estrutura" fundamental para o desenvolvimento do percurso, além do contexto nacional.

“Miguel Amado, que vive em Nova Iorque, irá em Junho apresentar uma reorganização da exposição permanente da colecção do Museu Berardo”.

In Jl on-line de 9-3-2010

Estas são algumas das fotografias que tirámos da visita a essa excelente exposição:
































4 comentários:

  1. não percebo qual é a arte.

    todos nos podíamos fazer aquilo. rofl!

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  2. Experimente!

    Aqui, a Arte está na imaginação!

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  3. ainda nao sei qual é a tecnica que a joana vasconcelos usou ?

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  4. Excelente. Todos podemos fazer, mas só as grandes mentes têm as ideias.

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