segunda-feira, 8 de março de 2010

Josefa d'Óbidos - Uma Mulher num mundo tradicionalmente Masculino

(Santa Maria Madalena, 1650, óleo sobre cobre, 22,8x18,4, Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra)

Neste dia internacional da Mulher, recordamos aqui o nome de Josefa d´Óbidos, caso raro de incursão feminina no mundo das artes antes do século XX.

Classificada como pintora do Barroco português, aqui reunimos vários artigos existentes na internet que revelam várias facetas da sua obra.

Incluímos ainda uma pequena selecção de obras da sua autoria, existentes em vários lugares.



(Transverberação de Santa Teresa, c.1672, óleo sobre tela, 180x140 cm, Igreja Matriz de Cascais)
“Óbidos (Josefa de).
(…)

"Assim conhecida a distinta pintora que viveu no século XVII, e se chamava Josefa Ayala Figueira.

N. em Sevilha em 1634, para onde seu pai, Baltazar Gomes Figueira, pintor, mas de pouca fama, que era natural de Óbidos, fora residir, e ali casara com D. Catarina de Ayala e Cabrera.

Quando em 1640 se proclamou a independência de Portugal e D. João IV foi aclamado, Baltazar Figueira veio com sua família viver para Óbidos numa quinta chamada da Capeleira. Josefa contava então apenas 6 anos de idade, ali se educou, começando desde criança a manifestar uma vocação notável para a pintura e para a gravura em metal, lâminas de cobre e prata, no género chamado de pontinho.

Em 1653, aos 19 anos, fez a gravura da edição dos Estatutos de Coimbra. Depois trabalhou muito como pintora para os conventos e igrejas como retratista da família real. Pintou os retratos da rainha D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, mulher de D. Pedro II, e de sua filha, a princesa D. Isabel, que foi noiva de Vítor Amadeu, duque de Sabóia, a quem esse retrato foi enviado. Na capela do noviciado do convento de Varatojo havia uma excelente Nossa Senhora das Dores, e no coro um Menino Jesus, quadros que lhe são atribuídos. Havia quadros seus em Alcobaça, Batalha, em Vale Bem-Feito no mosteiro de S. Jerónimo, em Évora, onde existe um Cordeiro engrinaldado de flores, que passa por ser um dos seus melhores trabalhos. A Academia de Belas Artes também possui um quadro de Josefa de Óbidos. Há quadros seus em várias igrejas de Óbidos, principalmente na de S. Pedro, onde ela foi sepultada, nas de Peniche, Torres Vedras, etc. Especializou-se principalmente na pintura de frutas e flores.

As gravuras em metal que fazia, segundo constava, e que diziam ser excelentes, estavam em casa de José Gomes de Avelar, parente ainda de Josefa de Óbidos. A ilustre artista viveu quase sempre na quinta da Capeleira, mas havia alcançado tanta reputação que muitas das pessoas que iam tornar banhos às Caldas da Rainha, se afastavam do seu caminho, para irem a Óbidos cumprimentá-la.

Josefa de Óbidos faleceu a 22 de Julho de 1684”.

In Portugal – Dicionário Histórico [consultado on-line em 8 de Março de 2010]



(Visão de S. João da Cruz, 1673, óleo sobre tela, 16,5x131,5, Santa Casa da Misericórdia de Figueiró dos Vinhos)

JOSEFA D'ÓBIDOS

“ A pintura de Josefa é essencialmente uma arte devocional e para a entender-mos é necessário conhecer desde Zurbarán até á gravura Holandesa (um católico, a outra, até protestante) e claro, a pintura de seu pai, Baltazar Gomes Figueira, esse excelente mas ignoto (era homem) pintor português, vão a Évora vê-lo.

Josefa de Óbidos é um nome refúgio, nem toda a sua pintura é de Ayala...

É do ritual diário do claustro conventual que nasce a arte de Josefa. Não é simples, nem muito ortodoxa..., mas contém sentido profundo e extenso.

As imagens da Natureza, o seu melhor, são vistas através de pontos simbólicos do ritmo natural e sensual das estações do ano, são janelas sobre o seu significado transcendente.

As festas, referem comemorações de um tempo da natureza que é posse do divino, dádiva e participação humana (os bolinhos). As suas pinturas são revelações do divino na natureza e no labor do homem, são sacrifícios litúrgicos, oblações, em sentido lato e no sentido restrito, Bíblico.

Josefa não distingue, entre a pintura religiosa e a natureza morta, esta é, sempre, pintura religiosa. Os elementos da sua pintura fazem parte dessa cadeia áurea que se eleva do simples barro, a matéria, passando pelas plantas e flores, aos animais, ao homem, aos anjos, até ao puro espírito.

Os seus objectos pintados, profanos ou naturais, são de facto místicos. Portanto, contemplações de Deus.

A. Melo Nov. 2002

Bibliografia actualizada:

ver primeiro Reinaldo dos Santos.

The Sacred and The Profane: Josefa de Óbidos of Portugal

Josefa de Óbidos, 1634-1684
catalogue coordinators: Maria de Lurdes Simões Carvalho, Jordana Pomeroy; texts, Vitor Serrão et al.MC/National Museum of Women in The Arts, Washington,1997 Crowning Glory: Images of the Virgin in the Arts of Portugal

Maria de Lurdes Simões de Carvalho, Julia Robinson
ed. Jerrilynn D., Dodds, Edward J. Sullivan. Newark Museum, 1997

Josefa de Óbidos: Exposição Comemorativa do 3º Centenário da morte da pintora Josefa d'Ayala e Cabrera-Josefa de Óbidos. Solar da Praça de Santa Maria, Agosto Setembro 1984 FCG/CMO

Roteiro da Exposição "Josefa de Óbidos e o Tempo do Barroco"
apresentada na Galeria de Pintura do rei D. Luis, no Palácio da Ajuda em 1991. Coordenação e texto de Vitor Serrão, IPPC/TLP

Conferencias sobre Josefa na The European Academy, em Londres:
"Towards the Golden Age: The Eighteenth Century in Portugal"

Professor Kenneth Maxwell, University of Columbia, New York, USA
"God among the pots and pans"

Josefa d'Óbidos and Spanish Still-Life painting"
Dr. Gabriele Finaldi, conservationist for Later Italian and Spanish Painting at the National Gallery

Mesa redonda: Josefa d'Óbidos of Portugal: Love, Mysticism and the Art of Memory", by Prof.Barbara von Barghahn of George Washington University, Washington DC

Artigos na imprensa Inglesa:

- In the art of Josepha de Obidos, a rarely seen feminine side of the Counter-Reformation. (David Scott, Editor of our Sunday Visitor)

- Rediscovery of a Portugese Painter's Spiritual Masterpieces.

(Souren Melikian, International Herald Tribune)

- A revelation. (John Mc Ewen, The Sunnday Télegraph)

In site da Escola Secundária Josefa d´Óbidos


 
(Cordeiro Pascal, c.1660-1670, óleo sobre tela, 88x116 cm, Museu Regional de Évora)
CORDEIRO PASCAL

“Frequentemente exposta, esta obra, desde sempre atribuída a Josefa de Óbidos, está nesse momento bem estudada, tanto quanto aos objectos representados como quanto à óbvia significação, explícita pela inclusão da citação bíblica: “Occisus ab origine mundi” (Apocalipse, 13, 8), que acentua o carácter salvífico do símbolo cristológico. O cordeiro com a auréola por cima da cabeça, derivado do protótipo zurbaranesco, encontra-se no meio da composição, pousado sobre uma mesa ou altar, prestes a ser imolado. Entre ele e o observador interpõe-se no entanto, à maneira dos flamengos Daniël Seghers e Willeboirst Bosschaert, uma tarja com uma abertura ovalada ao centro a qual funciona como uma moldura. Por cima desta moldura dispuseram-se várias flores que entrelaçam simbolismos marianos e eucarísticos. Eucarístico é obviamente o significado genérico do quadro, já pelo motivo principal, já pelos cachos de uvas brancas e pretas dispostos aos lados e pelas duas espigas de trigo em frente da moldura

Especiosa é por outro lado esta criação de um nível ilusório de realidade através do tema do quadro dentro do quadro, que não sabemos muito bem como interpretar. A moldura, carregada de símbolos eucarísticos, funciona como uma janela através do qual, sobre o altar, se apercebe o Cordeiro de Deus em toda a sua materialidade simbólica, tão natural como as uvas no primeiro plano e tão simbólico como elas. Melhor não se podia evocar, em pintura, o Mistério da Transubstanciação – e o carácter da espiritualidade barroca. A pintura, uma das obras mais emblemáticas da autora, que demonstra os seus minuciosos dotes de observação naturalista, deve datar dos anos 1660-1670.

Luís de Moura Sobral

BIBLIOGRAFIA

Catálogo da Exposição Josefa de Óbidos e o tempo do Barroco. Lisboa: Instituto Português do Património Cultural, 1991

SOBRAL (2004), Luís de Moura, Catálogo da Exposição A Pintura Portuguesa no século XVII. Lisboa: Instituto Português de Museus, Museu Nacional de Arte Antiga, 2004

Catálogo da Exposição A Natureza Morta nas colecções Alentejanas. Évora: Instituto Português de Museus, Museu de Évora, 1999

Actualizado em: 8 de Dezembro de 2007”

Site do Museu de Évora


(O Mês de Março, 1668)

“Peniche na Obra de Figueira e Josefa?

"Mariano Calado defendeu a hipótese de serem de Peniche as rendas de bilros da túnica com que a pintora Josefa de Óbidos vestiu o Menino Jesus Salvador do Mundo em 1673. Recentemente (exposição Baltazar Gomes Figueira, 1604-1674. Pintor de Óbidos "que nos Países foi Celebrado" realizada em Óbidos, em 2005), o pintor Jorge Estrela viu nos dois quadros representando o mês de Março, da autoria, um, de Baltazar Figueira, o outro, de sua filha Josefa de Ayala, a figuração do porto e casario de Peniche. Cito:

"Pesem outras opiniões em contrário, a cidade fortificada é Peniche, num período que precede de pouco a intervenção de Nicolau Langres, no final de Seiscentos, e deixa adivinhar a silhueta medieval. A volumetria, que em Baltazar aparenta seguir a realidade, origina em Josefa uma construção ideal amplificando o modesto casario de Peniche. (...) A pintura de Josefa mostra um acontecimento festivo, com grandes navios ao largo, uma galera engalanada, e a agitação de pequenos barcos junto à porta da entrada da vila. Várias leituras, nem sempre concordantes, tentaram interpretar essas movimentações. A última versão de Vitor Serrão, que supõe que os festejos são uma evocação alegórica do estabelecimento da paz com a Espanha, decidido nas Cortes em Março de 1668, parece resolutamente explicativa".

Vitor Serrão, no catálogo da exposição Josefa de Óbidos e o Tempo Barroco (2ª ed. 1993), afastara a hipótese Peniche, anteriormente defendida por Reis Santos. Cito igualmente:

"Não deve trata-se de uma perspectiva da vila de Peniche, a partir da praia do Baleal, como não cremos também (como adiantou Hernández Díaz) que seja uma vista da praia de Lisboa. Tratar-se-á de uma perspectiva fantasiosa, quanto ao desenho do casario e quanto ao fundo acastelado, e reforçada por apontamentos de visu nos trechos movimentados de figurinhas e de embarcações, nesse caso quiçá segundo apontamentos "ao natural" da Lagoa de Óbidos ou da Foz do Arelho".


(Natureza morta com doces e barros, 1676, óleo sobre tela, 80x60, Biblioteca Municipal Braancamp Freire, Santarém)


(Anunciação, 1676, óleo sobre tela, 107x88, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa)


(Calvário, 1679, óleo sobre madeira, 160x174, Santa Casa da Misericórdia de Peniche)

Sem comentários:

Enviar um comentário